Por uma razão grande e nobre, Santo Amaro, ao nascer, escolheu o norte para fincar seu legado, como quem planta certezas no meio do vento e senhor Graciosa e Simplício.
Muito já se disse e escreveu sobre ele, esse santo que, aqui na terra, é mais nosso do que de Roma, onde a fé se mede em catedrais e relicários, enquanto por cá se sente na pele e na areia quente.
A homenagem veio na forma de um largo de santo amaro, bonito, atrativa e atrevida, esse pedaço de chão onde o mar encosta para ouvir histórias e contrabando de saudade. Conectaram-no à orla marítima, talvez numa dessas raras vezes em que os governos se entenderam para o bem de todos.
O Largo de Santo Amaro prova que, por estas bandas, o melhor também se faz – e se faz olhando para além do Atlântico. Basta dar uma volta pela cidade para sentir que este senhor nos vê pelas costas e pelos olhos e nos guarda. O nome e o sentido. Largo Nho Santo Amaro.
E tão grande é o santo que, em suas festas, a cidade se estica até os limites, transborda, falta espaço, sobra gente. Santo Amaro nos expõe: as necessidades, as falhas, as oportunidades. Os que chegam dizem com a certeza de quem encontrou a verdade: “Santo Amaro é grande.” E talvez seja esse o maior milagre: há quem acredite nele, mas desconfie do Tarrafal. Querem estar aqui, querem as praias brancas, querem a brisa, mas hesitam na terra que lhes dá abrigo. É essa contradição que nos alimenta há mais de cem anos – um lugar que é real, mas parece lenda; concreto, mas escorregadio como a areia que se leva para casa sem querer, como polvo capturado pelo beto para aquecer o prato e a fuga da fome.
E eu, que por ali passei outro dia, vi três tarrafalenses a mexerem-se e soube logo: ganhámos. Nestes tempos, cada pequeno gesto conta. Parei no largo e reparei. Projeto com lampadas, santo grabador, que insiste em iluminar as nossas dores. Mas Tarrafal tem de continuar a ser essa ondulação, essa resistência, essa teimosia, nosso amor ardente que o passado ainda atiça a nossa cobiça.
No dia que passamos acsentir que é um antigo largo, dobráremos os joelhos porque havia uma cerca, no mais velho mar, onde a Graciosa impedia o olhar para o oceano Atlântico. Mas insistimos, e existimos. E havemos de insistir sempre, porque o Tarrafal que existe é o Tarrafal que continuas a sonhamos na ardencias e nas insistências– e não há santo, nem governo, nem areia que nos faça esquecer disso. Per isu, insistu.
Mário Loff
(Escrito no estabelecimento da Rosa, o lugar que tanto tem dado a inspiração aos contrabandistas de palavra e lavra musical)
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