Por: Mário Loff
Este país, senhores, tem um talento raro. Um talento para o erro, para o excesso, para os extremos. Tem cumprido à risca todos os pecados e todas as santidades dos santos e dos demónios dos outros mundos. Não falha um. O que os outros descobriram com dor, nós adotamos com entusiasmo. O que os outros abandonam por vergonha, nós reciclamos com orgulho. Se há vícios, queremos todos. Se há virtudes, fazemos de conta.
E reparem bem: sempre na mesma medida. O que começa como simulação acaba como prática séria. Primeiro, faz-se de conta. Depois, faz-se mesmo. Uma espécie de teatro, mas sem final feliz. Vejam os nossos políticos – sempre houve e sempre haverá. Defendem a verdade com uma convicção comovente. Mas só enquanto lhes dá jeito. Quando muda o vento, mudam a verdade, mudam os amigos, mudam os valores. O que era puro, fica impuro. O que era certo, torna-se errado.
A verdade, como já dizia Churchill, é tão preciosa que precisa sempre de um guarda-costas de mentiras. Foi assim com Sérgio Moro. Primeiro, juiz implacável da Lava Jato. O exterminador dos corruptos. Depois, ministro de Bolsonaro. Fez-se de paladino da justiça até perceber que gostava mesmo era do sabor do poder. Quando caiu em desgraça, fez-se de vítima, como se não soubesse que estava a brincar com um sistema que se alimenta de heróis descartáveis.
E isto, senhores, não é exclusividade brasileira.
David Cameron? Jogou o país no abismo do Brexit com a certeza arrogante de que o Reino Unido nunca sairia da União Europeia. Perdeu. Depois, foi jogar ténis e escrever as suas memórias. Coisas de filhadaputici. Por cá, a história não é muito diferente. Governos entram e saem, sempre com a mesma ladainha: salvar o país da desgraça deixada pelos anteriores. Mas no fim, a única coisa que se salva são os privilégios dos que chegam ao poder.
E o povo?
Ora revoltado, ora resignado, assiste ao teatro político com novos atores, mas sempre com o mesmo guião. E o nosso pessoal? Ah, o nosso pessoal não fica atrás. São campeões do jogo do esconde-esconde. Comeram juntos, enriqueceram juntos, governaram juntos. Fizeram juras de lealdade, brindaram ao futuro, tiraram selfies ao pôr do sol, sempre com discursos inflamados sobre o progresso, o bem comum e outras balelas que soam bem nos comícios e nos editoriais encomendados.
Mas um dia zangam-se. E não é por moralidade – ninguém aqui é inocente ao ponto de acreditar nisso. Não. Zangam-se porque um comeu mais do que o outro. Aí começa a gritaria: "Corrupção!", "Traição!", "Incompetência!" – como se tudo isso fosse novidade. Como se não tivessem feito exatamente o mesmo um mandato antes.
E a spinhera no topo deste kuskuz mal amassado?
A democracia. Essa coisa maravilhosa, que serve de colchão para os que caem e de trampolim para os que sobem. Protege toda a gente: os que roubam, os que criticam e até os que não sabem o que estão a fazer. A democracia é um espetáculo fascinante – uma ópera sem maestro, onde todos gritam ao mesmo tempo, mas ninguém quer sair de cena.
E depois há os camaleões de luxo. Os analistas, os opinadores, os justiceiros de microfone. Dizem-se independentes, mas estão sempre estrategicamente posicionados para receber favores. Se um lado não dá, o outro dá. São como criaturas das marés: sabem exatamente quando e para onde se deslocar para não ficarem secos na areia.
E as promessas?
A mais recente veio do candidato presidencial do PAICV, que anunciou, com toda a solenidade, que vai baixar os preços das viagens de barco para 500 escudos e os de avião para 5 mil. Como? Não interessa. O importante é prometer. O importante é soltar uma manchete que faça barulho suficiente para ocupar a praça pública até que um novo escândalo surja e empurre a conversa para outro lado. Lembra a Grécia de 2015, quando o Syriza prometeu acabar com a austeridade. Tsipras foi eleito com um cheque em branco, garantiu que não se ajoelhava à Troika… e meses depois, assinou um acordo pior do que aquele que dizia rejeitar. Mas isso já era um detalhe. O que interessava era que ele tentou.
E por cá, senhores, por cá, é o mesmo jogo. Hoje prometem o céu, amanhã dizem que o inferno estava nos detalhes. Mas, claro, quem paga a conta não são eles. Somos nós.
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