Halloween party ideas 2015

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Colhe Bicho nunca pediu licença ao Estado para existir. Nasceu da força das suas gentes, dos braços calejados e das mães que criaram filhos de mil homens e mil mulheres, porque muitos pais emigraram e nunca mais voltaram. O bairro cresceu sozinho, à margem, sem Estado colonial, sem partido único, sem os discursos ocos da capital. Cresceu com aquilo que sempre foi o mais precioso: a união e o orgulho de ser comunidade.

Éramos conhecidos por andar juntos, por não aceitar desrespeito nem abuso. Chamaram-nos de tudo: mokerus, salbaxus, malcriados, antissociais. Mas ser “antissocial” fora de portas até tinha o seu charme era a nossa marca de resistência, uma espécie de luxo político, um casaco malcheiroso mas cheio de estilo. Quem chegava com respeito, ficava. Quem vinha com pose, levava corretivo não com comunicados da Câmara, mas com o poder anónimo da comunidade.

No meio da dureza, havia festa. As crismas em julho viravam quase congressos populares: mesas na rua, kaldu pexi a rebentar as costuras das panelas, danças intermináveis e jovens com intenções sérias ou nem tanto. A fama era simples: quem viesse brincar com as moças do bairro, sem respeito, ficava a saber o que era disciplina popular. Um bairro que criava mais professores por metro quadrado do que muitas capitais africanas. E tudo isso sem Estado.

Depois, vieram os anos 90: água, luz elétrica, estradas, organização. Descobrimos que havia mundo para lá da vila, mas nunca perdemos a união. Até que um dia nos roubaram o campo de Txam Riba. Roubaram-nos o coração do bairro. Levaram o símbolo e deixaram a urbanização.

E chegamos ao presente, aos últimos cinco anos: um bairro arrumado, organizado, com quadros e doutores, mas também com jovens deixados à sua sorte, usados em campanhas e descartados como latas de cerveja no chão. A PJ invade, prende futuros ainda em gestação. As drogas circulam, as bebidas pesadas substituem a revolta e a alma virou negócio barato.

O mais engraçado ou trágico é que este foi o bairro que deu ao atual presidente alguns dos melhores resultados eleitorais. Aqui houve campanha, bandeira, promessas e até vereadores. Hoje, há abandono. Os jovens olham para os outros bairros com programas camarários e atividades financiadas, enquanto Colhe Bicho serve apenas para duas coisas: votos e relatórios da polícia.

Dizem que temos partidos, mas o que perdemos foi a alma. Vendida em discursos de humildade inúteis, esquecida em cerimónias de “faz de conta”, corrompida pelas drogas que substituíram a dignidade.

As autoridades que nos lêem se é que leem devem ser lembradas disto: O Estado só aparece em Colhe Bicho quando quer votos ou quando vem de farda e arma na mão.

O bairro que outrora criou professores, atletas e líderes comunitários é o mesmo que hoje exporta jovens para as prisões.

A alma que foi motor de revolta virou estatística de crime.

Mas Colhe Bicho não é só desgraça. Ainda respira. Ainda há velhos que contam histórias de união, ainda há mães que seguram a vida com mãos de ferro e ainda há jovens que sonham, mesmo quando o Estado insiste em tratá-los como pesadelo.

A pergunta é simples: até quando o Tarrafal vai permitir que um dos seus bai
rros mais históricos seja apenas visitado em tempo de campanha? Até quando a Câmara vai fechar os olhos à degradação, fingindo que “urbanizar” é suficiente? Até quando o Estado vai usar Colhe Bicho como vitrine de pobreza para relatórios internacionais, em vez de a reconhecer como o que sempre foi — uma comunidade com dignidade, memória e voz?

Porque Colhe Bicho não nasceu com Estado. E, se for preciso, também não morrerá com ele.


 


Em Cabo Verde, as reformas chegam sempre de gravata: falam bonito, sorriem para a fotografia e deixam a conta para o fim do mês. A mais recente chama-se PCFR do Pessoal Docente e vem com estatuto, anexos, mapas, tabelas e promessas de dignidade: a Assembleia aprovou, o Presidente promulgou e o Boletim Oficial carimbou. A lei existe, é nova e está em vigor. BOE

O que muda mesmo (com números à vista)

• Licenciados entram no GEF-5 (Nível I) a 91.000$00. A tabela transitória mostra, preto no branco, a linha “GEF 5”: 91.000 → 96.000 → 101.000 → 106.000 → … → 136.000. Cada mudança de nível vale +5.000$00. É a escada horizontal do professor cabo-verdiano. BOE

• O “salto de 2.000” morreu. O governo confirmou: no GEF-5 o incremento passou de 2.000 para 5.000$00, e o topo chega a 136.000$00. Não é poesia; é orçamento. Ministério de Educação

• A tabela transitória produz efeitos desde 1 de janeiro de 2025. Não é retrospetiva filosófica; é data legal. BOE

Tradução para quem vive com giz nas mãos: quem estava a 78.000 com licenciatura salta para 91.000 (nível I); com 5 anos de serviço tem estofo e créditos para estar tipicamente nos 96.000 (nível II); com 10 anos, 101.000 (nível III); com 15 anos, 106.000 (nível IV). É a mesma lógica da tabela, passo a passo de 5.000 em 5.000—sem truques. BOE

Mestres e doutores: menos pedestal, mais velocidade

O PCFR foi honesto (pela metade certa): a porta de entrada é a licenciatura; mestrado e doutoramento já não valem “ingresso especial”. Em vez disso, a lei dá bónus de créditos de desempenho: +210 pontos para mestrado, +280 para doutoramento—o que acelera a progressão nos níveis (logo, o salário). Em português simples: não entram mais alto, sobem mais depressa. BOE

Por isso é que muitos mestres que recebiam 91.000 no regime antigo veem-se agora posicionados acima (p. ex., 106.000), porque a linha de base do licenciado encostou ao valor antigo do mestre e os créditos empurram a carreira para o nível seguinte. É menos glamour e mais mecânica de tabela—mas paga contas. (O Governo e a imprensa oficial repetiram: o PCFR “valoriza” e “permite evolução rápida”.) Inforpress e Governo de Cabo Verde

Primária (monodocência): tirar a dúvida do mito

Circulou por aí que os professores do 1.º ciclo tinham +10%, +20%, +30%, +40% no salário pelos 15/20/25/30 anos. Não é percentagem. A lei escreveu valores fixos de subsídio por não redução da carga horária:

10.000$ aos 15 anos, 15.000$ aos 20, 20.000$ aos 25 e 25.000$ aos 30—com impacto na pensão se recebidos nos últimos dois anos. Nada de percentagens mágicas, tudo com vírgula e carimbo. BOE

Quem fica fora do GEF-5?

A regra é clara (e dura): só quem tem licenciatura ou superior é enquadrado no GEF-5. O restante subsiste nos cargos e evolui por outras vias. Está dito e repetido pelo próprio Ministério. Os que não têm licenciatura assim que completarem passarão para o GEF 5 , nível I. Reclassificação automática. Por isso, eu aqui nas alturas de mnte gracisa, apelo os professores a estudarem e darão com mão no peito com orgulho para konkor o pó das humilhaçoes. 

Transição e listas: a burocracia também tem calendário

O Boletim Oficial já publicou listas de transição e enquadramento, fechando a dança dos nomes que andou meses em “provisórios” e Facebooks. Quem precisava de ver o seu lugar no tabuleiro, já o pode ver sem boatos. Governo de Cabo Verde

E a crónica, então?

A nova grelha tem qualquer coisa de anúncio de telemóvel: promete rede, velocidade e minutos ilimitados, mas obriga a ler as letras pequenas. A letra pequena aqui diz isto: o patamar de dignidade mínima subiu para 91.000$00; quem estudou mais não entra por cima, mas chega ao topo mais cedo; e os professores do 1.º ciclo ganharam, finalmente, um subsídio que reconhece a heroicidade de dar tudo a uma turma inteira, sem descontos na carga horária.

Se é suficiente? Num país que se habituou a chamar “pendência” a tudo o que devia ter sido resolvido ontem, talvez o PCFR seja menos um final feliz e mais um princípio decente. A boa notícia é que, desta vez, a poesia bate certo com a aritmética: GEF-5 começa em 91.000, sobe de 5.000 em 5.000 e termina em 136.000. O resto é trabalho—e vontade política para que os créditos de desempenho não virem só carimbo e formulário.

Enquanto isso, a escola prossegue: giz, caderno, quadra de bola, poeira. E um país inteiro a descobrir, a muito custo, que a educação não é despesa: é o único investimento que rende léguas de futuro.

 

 

Fontes requisitados para este trabalho:

SIPROFIS

— Lei n.º 46/X/2025 (PCFR do Pessoal Docente) publicada no BO: aprovação, vigência e estatuto. BOE

— Tabela de Remuneração Transitória (GEF-5: 91.000→…→136.000; incremento 5.000). BOE

— Efeitos a partir de 1/1/2025. BOE

— Incremento no GEF-5 de 2.000 para 5.000 e teto de 136.000 (informação oficial). Ministério de Educação

— Bónus de créditos: +210 (mestrado) e +280 (doutoramento). BOE

— Subsídio de monodocência (10k/15k/20k/25k) e impacto na pensão. BOE

— Critério GEF-5 reservado a licenciados; comunicação do Ministério. Facebook

— Listas de transição publicadas oficialmente. Governo de Cabo Verde.

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