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José Soares – Fidju di Tarrafal
(Mestre em História Cultural e Política – FCSH –UNL)

Contextualizar & Compreender
O Regulamento interno do ex-Campo de Concentração do Tarrafal de Santiago
29 de Outubro de 1936 – 29 de Outubro 2012



No Campo de Concentração do Tarrafal, assim como em todos os estabelecimentos prisionais, quer no Continente, quer fora do Continente, havia um regulamento interno. Tudo era feito segundo aquilo que estava estipulado pelo regulamento, se bem que em muitas situações ele fosse completamente esquecido e posto de lado, principalmente por parte dos guardas, dos carcereiros e dos próprios Directores. A situação no Tarrafal foi o exemplo típico deste facto. Alias, não é por acaso que o Campo de Concentração de Tarrafal foi considerado na historiografia portuguesa como a quinta-essência do terrorismo do Estado sob a tutela de Salazar.

A carência de documentação escrita sobre o referido regulamento, leva-nos a basear o nosso conhecimento em testemunhos dos presos e de alguns naturais do Concelho para, neste dia que se contextualiza e recordar-se mais um ano da abertura do Ex-Campo de Concentração do Tarrafal de Santiago, 29 de Outubro de 1936 (há 76 anos), apresentar aquilo que foi o funcionamento dessa prisão, desde o levantar até á hora do recolhimento obrigatório em que tudo era regulado com o alerta do sino do Campo.

A vida dentro dessa prisão começava ás 5h da manhã com o tocar do sino por parte do guarda que fazia o serviço no portão da entrada principal. Cândido de Oliveira, na obra o Pântano da Morte, nesta mesma óptica diz que ás 5h começava o dia. Era a alvorada. A essa hora, gritada na parada pela companhia indígena através da corneta, e à porta do Campo por um pequeno sino, abriam-se as portas das camaratas”. A actividade dos prisioneiros neste período entre as 5h e as 5h30 resumia-se ao levantar, vestir, calçar, isto é, prepararem-se para o pequeno-almoço. Ás 6h tocava para a primeira formatura na avenida das Acácias. Esta avenida foi baptizada pelos reclusos, visto que, foram eles que plantaram as Acácias rubras nessa via. É relevante realçar que a formatura constituía um dos momentos formais dentro do Campo. Nos primeiros anos do seu funcionamento, ela era um ponto a cumprir todos os dias, principalmente nos momentos de içar e arriar da bandeira.

Após o pequeno-almoço, na formatura, o chefe dos guardas aparecia para fazer a distribuição das tarefas. A presença dos chefes dos guardas e das outras autoridades implicava sempre que os prisioneiros tirassem os seus chapéus como prova de submissão ou de um simples cumprimento. Nas fases mais duras da vida no Campo, como por exemplo durante a direcção de João da Silva, (1938-1940), o não tirar do chapéu implicava automaticamente um castigo.

Depois da formatura e do cumprimento ao chefe dos guardas, fazia-se então a distribuição das tarefas ou das brigadas: a Brigada da Pedreira, Brigada da Estrada, Brigada de Água, Brigada das Oficinas, etc. Aqueles que não podiam trabalhar, os mais fracos, ou que não eram escolhidos para as brigadas, ficavam no Campo para fazer outras tarefas. Despejavam a lata que servia de urinol durante a noite, ajudavam os que estavam de fascina na cozinha, varriam a caserna, lavavam a loiça da colectividade, etc.

Segundo os testemunhos dos reclusos do Tarrafal, nos primeiros tempos, os carcereiros não lhes impunham regulamentos rígidos nem se preocupavam muito com a disciplina e nada diziam. Também fora do Campo, durante o trabalho, podiam comprar géneros e frutas aos naturais, claro fora dos olhares dos guardas que os vigiavam durante a jornada. Podiam cozinhar para reforçarem o Rancho. Nessa altura, ainda os trabalhos não eram excessivamente pesados. O trabalho resumia-se nas limpezas, na capinagem, no transporte de água e pouco mais do que isso. Entretanto à medida que a Guerra Civil espanhola se decidia a favor dos franquistas a repressão no Campo tornava-se mais dura.

Às 10 horas e 30mn, o sino tocava para o término do trabalho da manhã. Os que estavam nas brigadas fora do Campo regressavam trazendo ao ombro as picaretas, as pás, as alavancas que deixavam à entrada da porta principal. Todavia, antes de se dirigirem para as barracas, as ferramentas eram primeiramente conferidas pelos guardas. Manuel Francisco Rodrigues, um dos carrascos de Salazar, dizia que ideia de que os operários das oficinas do Campo de Concentração de Tarrafal eram os aristocratas do burgo. Trabalhavam à sombra, enquanto que os que arrancavam pedra, construíam os muros à volta ou estavam ao serviço da água, torravam-se literalmente ao Sol. Eles eram considerados como os idiotas da prisão. Mas contudo, dentro do Campo todos eram iguais em relação ao salário, porque não recebiam nada. No seu entender e também dos outros presos que passaram pelo Tarrafal, no inferno, toda a gente trabalhava de graça!

O toque de dez pancadas no carril, ás 11h era o sinal para o almoço. Os que estavam de fascina comiam na cozinha e os que estavam nas brigadas comiam no refeitório. O refeitório, nos primeiros anos do funcionamento do Campo, era uma barraca de madeira com cerca de 20 mesas também de madeira. Cada uma tinha capacidade para dez pessoas. Em cada mesa havia um encarregado que fazia a distribuição da comida. Entre as 12h e as 14h era o período do descanso nas barracas ou nos pavilhões. Durante esse período era proibido fazer barulho e deslocarem-se pelas barracas para conversarem uns com os outros. Era um período de silêncio absoluto.

Às 14 horas tocava para mais uma formatura. Fazia-se a leitura das ordens e distribuições dos serviços e fazia-se ainda a entrega da correspondência das cartas que provinham de direcções permitidas. Os reclusos tinham uma hora para se prepararem para o jantar. Se acaso houvesse água, o que era muito raro, tomavam banho antes do jantar. Às 17 horas e 30 tocava para o jantar. Em cada barraca havia quem se dirigisse à cozinha para ir buscar o jantar, sempre sob a vigilância dos guardas auxiliares e dos carcereiros. Verificamos, assim que o jantar, ao contrário do pequeno-almoço e do almoço, era servido nas barracas e posteriormente, após a construção dos pavilhões em pedra, passou a ser servido nesses pavilhões. O período que mediava entre o jantar e o recolher era considerado pelos reclusos como um grande momento de convivência. Nesse pequeno espaço de tempo, dedicavam-se às leituras, às conversas sobre temas variados, enfim, era um dos momentos de maior liberdade no quotidiano dentro do Campo.

Às 20:30mn tocava para o recolher. Antes do recolher obrigatório, os reclusos formavam em frente das suas camas, em filas, e esperavam que os chefes dos guardas fizessem a contagem dos prisioneiros. Depois da contagem, e com a certeza de que todos se encontravam nas barracas, com excepção daqueles que estavam de castigo ou na Mitra, esta que era um local onde depositavam os reclusos doentes, considerados inofensivos e considerados pelo Médico do Campo como não tendo grandes probabilidades de sobreviver ou de castigo. Os presos diziam que o período que se prolongava até o primeiro toque da alvorada era considerado como o momento das trevas.

Aos fins-de-semana, sábados e domingos, não havia brigadas fora do Campo. Esses dias eram reservados às limpezas e às arrumações. Os reclusos aproveitavam para a lavagem das roupas e limpeza geral das casernas e espaços em redor. Aos sábados de manhã, normalmente depois do toque da alvorada, retiravam para fora das casernas as camas, as prateleiras, as roupas, enfim, tudo o que aí existia a fim de facilitar a limpeza geral. Era o dia da batalha contra os parasitas, diziam.

O Domingo era considerado dia de descanso. Apesar disso o levantar tinha lugar sempre às 5 horas. Todos, excepto os que estavam acamados e os que estavam de castigo, eram obrigados a levantar-se. Nos períodos de menos pressão aproveitavam os domingos para as leituras, para escreverem aos familiares e amigos e também para se dedicarem às questões políticas, académicas e culturais. Nos tempos de maior repressão dirigiam-se para o refeitório sob a vigilância dos guardas, a fim de escreverem as suas cartas e postais. Depois, tinham que devolver o resto dos papéis e dos lápis que sobrassem da escrita.

Este regulamento sofria algumas alterações pontuais de acordo com as necessidades e com as ideias dos diferentes e sucessivos elementos que foram passando pela sua direcção. Contudo, houve aspectos em que nenhuma das direcções responsáveis interferiu, como sejam, a existência das brigadas de trabalho fora do Campo, as faxinas na cozinha, os castigos na Frigideira.


Tarrafal de Santiago, aos 29 de Outubro de 2012

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