Foi um encontro feio. Pela primeira vez vi lágrimas
na cara de uma mulher, foram lágrimas de raiva e coragem justamente, por ser eu aquele que era o abandonado por certo homem de audácia e de afeição, quase um ser conhecido por mim num sonho vivido numa outra realidade que não lembro, intimo sem toque, amor e palavra. As lágrimas são justamente da
mãe.
Não entendia nada, dividido entre a
felicidade de ouvir da boca daquele homem de que era ele o meu pai e a recusa
da minha mãe em não permitir que ele se aproximasse de mim enquanto discutia
com ele. No meio da desordem geral, causada por um amor mal esclarecido, se não
existir bom senso ou o ato de querer ver o futuro que faz nascer, só se criam
assuntos e demónios mal resolvidos. Por alguns largos minutos se debateram em
negação sobre de quem era a culpa, de quem falhou com filho e quem iria tomar
conta deste. As pessoas formaram um grande grupo e observavam uma criança e dois adultos que se
rebatiam, ignorando por completo o ser que era o assunto principal do
espetáculo que se armava no centro da cidade. A confusão maior é saber que no
meio de muitas pessoas todas falam ao mesmo tempo e de cada uma das bocas saem
palavras e gestos e nada morre na boca da multidão. Eu só ficava assim,
confuso, negando a vergonha e com um sufoco na garganta, prestes a explodir.
Até que de repente gritei por mim, finalmente. Não sabia que quando se é adulto
tem que se complicar tudo a favor do orgulho e da demonstração de um amor que
protege se desprotegendo. Depois daquela discussão, retive algumas coisas que à
mãe disse depois. Nunca mais vi aquele homem. Aquele que é o meu pai. O falho
homem.
-Meu filho, educo eu! Vou fazer de tudo para
educa-lo, para ser homem, homem de verdade, e tu, fica longe do meu filho e
nunca mais te aproximes dele.
Não entendia
o que estava por detrás de toda aquela mágoa e raiva. Não era mesmo para
entender. Naquela idade não se deve entender coisas de adultos. Era ainda
criança, mas senti aflição por ver pessoas discutindo por minha causa, por
coisa que não entendia e por um homem ser capaz de arrancar o pranto de uma mulher.
Os prantos, às vezes, marcam as pessoas tornando-as pedras duras que não furam.
Dias depois
ao compreender tudo, foi a minha vez de chorar e sentir que tinha de ser homem.
De manha, ao levantar-me, pareceu terem passado muitos anos pela minha estrutura
carnal e espiritual, e tornei-me, aos poucos, outra pessoa, sem pensar em
crescer para ver os outros homens nos olhos. Talvez não seja necessário ser tão
alto, basta que nossas cabeças sejam gigantes suficientes para comandar o
corpo. A maior altura é a altura mental.
Aquele homem ficou com a cara triste e sem jeito,
enquanto eu olhava-o fixamente, a minha mãe me puxando, eu não querendo ir, com
vontade de estar com aquele homem, abraça-lo como se ele fosse o único gigante
com braços grandes que pudesse acompanhar a minha idade, desde os números
infantis, até que ele fosse um gigante de cabelos brancos e que a sua vida
fosse uma escola que passasse diplomas, em forma de conselhos, aos seus filhos
com desejos de serem também eles grandes gigantes, com o coração dos bons
homens. A mãe não entendia que eu precisava estar com o meu pai, que queria
muito estar com ele, sem me importar que ele fosse realmente meu pai, bastasse que fosse um bom homem. Os
bons homens são bons pais. Havia uma vontade tão grande de estar com aquele
homem, ainda que me dissesse que não era filho dele. Queria que fossemos apenas
pessoas, sem pronunciamento de palavras porque naquela situação qualquer
palavra que saísse da boca dos dois seria só indícios de mágoa e de perfeita
desumanidade. O que carrega coragem é a mulher, dá luz a um homem, inventa um homem, depois descobre que também sabe inventar um filho da puta que se chama homem.
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